COMO A NEUROCIÊNCIA EXPLICA OS HÁBITOS E MUDANÇAS NO COMPORTAMENTO
- Marcela Emilia Silva do Valle Pereira Ma Emilia
- Jul 29
- 7 min read

🧠 Como a Neurociência Explica os Hábitos e Mudanças no Comportamento
Por que é tão difícil mudar um hábito, mesmo sabendo que ele nos faz mal?
Essa é uma pergunta antiga — e a neurociência moderna tem muito a dizer sobre ela.
Ao longo das últimas décadas, cientistas descobriram que nossos comportamentos rotineiros não são apenas decisões mal pensadas ou falta de força de vontade: eles têm raízes profundas no funcionamento automático do cérebro. E mais do que isso — entender como os hábitos funcionam pode ser a chave para mudá-los.
1. O que são hábitos sob a ótica da neurociência?

Hábitos são comportamentos que se tornam automáticos com a repetição. São os comportamentos e atitudes que se repentem regurlamente por causa de aspectos do ambiente, ou por contexto ou por rotina. Em termos cerebrais, isso significa que, com o tempo, o cérebro transfere uma ação do controle consciente (mais lento e custoso – aquele que temos que pensar antes de realizar a tarefa) para uma via rápida e inconsciente (mais rápido e menor uso de energia – aquele que se faz no piloto automático).
Esse processo envolve principalmente os gânglios da base*, estruturas profundas que atuam como centro de automatização de rotinas. Sendo assim, quando um comportamento se repete e é recompensado, o cérebro “aprende” a economizar energia delegando essa tarefa aos gânglios da base. A decisão consciente, antes mediada pelo córtex pré-frontal, é substituída por um piloto automático.
Inclusive, após descobertas da neurociência, sabemos que os hábitos tem um papel adaptativo fundamental, pois ao economizar recursos e energia tanto do cérebro quanto do corpo, é possível redirecionar estes para outras funções e atividades mais relevantes.
Outros grandes achados da neurociência são que os hábitos:
Não são comportamentos inatos
Possuem um aprendizado lento, e uma fez consolidados, são difíceis de serem alterados
Mecanismos atencionais são necessários para a criação dos hábitos
Charles Duhigg, jornalista que popularizou o conceito, propõe a estrutura:
Gatilho → Rotina → Recompensa.
*Os gânglios da base, ou gânglios basais, são um grupo de núcleos do prosencéfalo que inclui: núcleo estriado (núcleo caudado, putâmen) e o globo pálido. O núcleo subtalâmico e a substância negra também fazem parte do circuito dos gânglios basais, mas não estão exatamente inseridos dentro da gânglia basal.
2. Como os hábitos são formados e reforçados no cérebro?

Toda vez que repetimos uma ação que gera uma sensação positiva — mesmo que pequena — ocorre a liberação de dopamina, neurotransmissor ligado ao sistema de recompensa. Quanto mais vezes repetimos o comportamento, mais forte fica o “caminho neural” — como uma trilha sendo pisada até virar estrada.
Tudo começa no córtex préfrontal que é quem identifica um comportamento, que por sua vez envia ao núcleo estriado para aprender tal comportamento que então se comunica com o mesencéfalo para atribuir a quantidade de dopamina que esse comportamento gerou no indivíduo. Quando esse circuito funciona de forma correta, cria um ciclo de reforço positivo que ajuda a decidir o que funciona e o que não funciona no comportamento. Se isso se torna repetitivo um ciclo reforçado entre o córtex sensomotor e o núcleo estriado se forma de tal maneira que cria uma rotina, um hábito semipermanente nesse circuito. Todo esse circuito faz com que o hábito se forme e entre no piloto automático – com a resposta motora e o nível de dopamina a serem liberados já “programados” no cérebro.
No caso, o hábito também pode ser chamado de memória procedimental, uma memória implícita, pois contém informações das quais não somos nem conscientes de possuí-las.
Segundo Ann Graybiel, neurocientista do MIT, hábitos se consolidam no cérebro como “pacotes” de ação automática. Um estudo clássico de Wolfram Schultz (1997) demonstrou que o sistema dopaminérgico se ativa não apenas com a recompensa, mas com a antecipação dela — o que ajuda a explicar por que certos comportamentos se tornam tão difíceis de evitar.
Os hábitos se formam de fato através de atividades diárias que são realizadas que temos como a finalidade atingir um objetivo, então a repetição do comportamento nesse contexto particular é que cria as memórias implícitas fazendo o link entre o ambiente e o comportamento. O reforço positivo que sempre é gerado (inteções, objetivos e recompensas) deixam de ser importantes pois o sistema se “acostumou” com ele, por isso criar o hábito e redirecionar suas energias para coisas mais importantes.
3. Hábitos e Estímulos Negativos

Estudos neurocientíficos sugerem que há a criação de hábitos para evitar o negativo.
O que isso quer dizer? Há a formação de hábitos quado o comportamento visa evitar um desfecho negativo. E isso acontece mais rápido do que a formação de um hábito rotineiro, pois a criação deste hábito acontece, possívelmente, através do sequestro da amígdala.
Embora o caminho cerebral ainda não esteja claro, os hábitos que se formam para evitar um resultado negativo, uma punição ou algo que seja contra a conduta cultural na qual o indivíduo está inserido é realmente formado de forma mais rápida pois há a exposição ao estresse.
4. O desafio da mudança: por que é tão difícil quebrar um hábito?

Nosso cérebro adora previsibilidade. Ele prefere caminhos já conhecidos, mesmo que não sejam ideais. Isso acontece porque mudar exige esforço do sistema racional (sistema 2, segundo Daniel Kahneman), enquanto os hábitos antigos funcionam no sistema automático (sistema 1).
A dificuldade de se romper um hábito passa por processos de atenção já que são as pistas do ambiente que moldam as nossas respostas automáticas vinculadas ao que nos cerca. As respostas já estão programas no automático e é difícil resistir elas, pois já se sabe a recompensa a ser recebida. Isso já foi comprovado em pesquisas que demonstraram que estímulos que foram previamente associados às recompensas já programadas, e ainda quando a recompensa é mais prazeroza, esse estímulo tende a capturar a atenção com maior facilidade.
Além disso, romper um hábito não é apenas parar de fazer algo. É preciso quebrar o loop: identificar o gatilho, oferecer uma nova rotina e manter a recompensa — ou criar uma mais saudável. E isso tudo exige uma a ativação de mais recursos do cérebro do que as já utilizadas, gerando maior gasto de energia que por sua vez pode causar a falta em outras funções ou atividades mais relevantes –que pode causa os efeitos adversos (o que se chama de abstinência em casos de mudanças de hábitos mais arraigados ou compulsivos).
É por isso que dietas falham, metas de ano novo evaporam e mudar um vício parece hercúleo: você está tentando reprogramar uma estrutura que o cérebro criou para economizar energia.
Porém, não se pode afirmar que toda a mudança de hábito é difícil.
5. Como a neurociência explica a mudança de comportamento?

A boa notícia é que o cérebro também pode aprender a mudar.
Primeiro, a mudança de ambiente sempre favorece a mudança de um hábito, há a mudança de contexto, de atores, de vivência. Temos o exemplo da evolução nos anos, modernidade que sempre nos trouxe inovações; nos últimos 30 anos passamos de usar um disco de viníl para estar ouvindo música que está nas nuvens, por exemplo. Ou passamos do ligações em telefones fixos com cabo, para ligações em vídeo em tempo real.
A chave está na neuroplasticidade (vamos explorar mais sobre esse assunto em um post só sobre esse tema), nossa capacidade de formar novos circuitos neurais com neurônios em “desuso”. E ainda mais, os hábitos estão armazenados no cérebro como memórias procedurais, estão separados de onde criamos as metas e intenções. Então, com uma nova compensação a ser atingida, a mudança de hábito é mais fácil de ser atingida.
E essa mudança pode ser facilitada por práticas como:
Atenção plena (mindfulness): ajuda a sair do modo automático e ativar o córtex pré-frontal. Mude a forma que estava habituada a fazer tal atividade, adicione mais um passo
Pausas deliberadas: interromper o comportamento no gatilho já cria espaço para mudança. Durante a realização do hábito faça pausas inesperadas, isso cria “sustos” no cérebro que tem que aprender algo novo para o hábito
Repetição consciente: fortalece os novos caminhos neuronais. Treine o novo hábito, foi com a repetição do anterior que se atingiu o hábito a ser mudado
Emoções associadas: se a nova rotina também for prazerosa ou emocionalmente significativa, há mais chances de se manter. Tente mudar o ambiente, os atores, se não der, faça os passos anteriores até abrir portas para a mudança do hábito
A substituição de um hábito costuma ser mais eficaz do que a simples extinção. E pequenas mudanças repetidas têm mais efeito do que tentativas grandiosas que se esgotam rápido.
6. Aplicações práticas

A compreensão dos hábitos pelo viés da neurociência já está sendo usada em:
Psicologia e terapia cognitivo-comportamental
Programas de reabilitação e combate a vícios
Mudanças de estilo de vida (exercício, sono, alimentação)
Ambientes organizacionais e educação
Design de ambientes e rotinas para favorecer decisões conscientes
Líderes, professores e até políticas públicas se beneficiam ao entender como o cérebro “prefere” certas rotinas — e como criar condições para a mudança comportamental.
7. Conclusão

Mudar hábitos não é apenas uma questão de força de vontade — é uma jornada neurobiológica, e do ponto de vista neurocientífico, uma viagem alucinante no cérebro primitivo.
O cérebro humano é plástico, adaptável e incrível. Mas ele também é preguiçoso, especialmente quando se trata de mudar padrões.
Por isso, compreender como o cérebro opera pode ser o primeiro passo para transformar o comportamento de forma eficaz e duradoura.
Você não é seus hábitos — mas pode ser o arquiteto dos próximos.
Referências
Graybiel, A. M. (2008). Habits, rituals, and the evaluative brain. Annual Review of Neuroscience, 31, 359-387.
Duhigg, C. (2012). The Power of Habit: Why We Do What We Do in Life and Business.
Schultz, W. (1997). Predictive reward signal of dopamine neurons. Journal of Neurophysiology, 80(1), 1-27.
Tang, Y. Y., Hölzel, B. K., & Posner, M. I. (2015). The neuroscience of mindfulness meditation. Nature Reviews Neuroscience, 16(4), 213-225.
Kahneman, D. (2011). Thinking, Fast and Slow.



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