NEUROCIÊNCIA DA VIOLÊNCIA POLÍTICA: Mecanismos Cerebrais em Atos de Extremismo
- Marcela Emilia Silva do Valle Pereira Ma Emilia
- Oct 7
- 5 min read

🧠 Neurociência da Violência Política
A violência política é um dos grandes desafios contemporâneos. Atos de extremismo não surgem do nada: são resultado de contextos sociais, culturais e históricos que, quando combinados a mecanismos cerebrais específicos, podem transformar emoções intensas em comportamentos radicais.
Esses atos extremos – de ataques a instituições a discursos de ódio online – não são apenas sociais, mas cerebrais. A neurociência revela como o cérebro processa ideologias radicais e impulsos violentos, oferecendo pistas para prevenir e mitigar.Entender esse cruzamento entre biologia e ideologia é essencial para construir sociedades mais resilientes ao extremismo.
🔬 O que é violência política?

Violência política envolve agressões físicas, verbais ou estruturais motivadas por ideologias, crenças religiosas ou disputas de poder. Embora frequentemente interpretada apenas sob a ótica social, há uma dimensão neurobiológica importante:
Emoções intensas (medo, raiva, indignação moral) → ativam a amígdala, aumentando reatividade a ameaças percebidas (LeDoux, 2015).
Identidade de grupo → fortalece o circuito de recompensa dopaminérgica, gerando prazer e pertencimento ao aderir à narrativa “nós contra eles” (Amodio & Jost, 2025).
Percepção de ameaça existencial → reduz a atividade do córtex pré-frontal dorsolateral, prejudicando o pensamento crítico e a regulação da impulsividade (van Baar et al., 2021).
Esses mecanismos não criam ideologias por si só, mas modulam como elas são internalizadas e transformadas em comportamento. A violência política começa no cérebro, onde a percepção de ameaça (a um grupo, ideologia ou identidade) dispara respostas primitivas. A amígdala, centro do medo, detecta “perigo” em ideias opostas, ativando o modo “lutar ou fugir” (LeDoux, 2015). O córtex cingulado anterior (ACC) amplifica conflitos entre valores, enquanto o córtex pré-frontal (PFC) – que regula impulsos – pode ser sobrecarregado por estresse crônico (van Baar et al., 2021).
O extremismo não é só ideologia – é emoção amplificada. O viés de grupo (ingroup bias) faz o cérebro priorizar “os nossos” e desumanizar “os outros”, ativando a ínsula em respostas de nojo ou raiva (Cikara et al., 2011). A dopamina reforça a busca por validação, enquanto o estresse crônico reduz a regulação do PFC, criando um ciclo de radicalização.
🧩 Os mecanismos cerebrais do extremismo

Pesquisas mostram que alguns circuitos são centrais:
Amígdala: amplifica respostas emocionais de medo e hostilidade. Isso explica por que discursos que destacam perigo e inimigo são tão eficazes.
Córtex pré-frontal (dorsolateral e ventromedial): regula o impulso e avalia consequências. Quando sua atividade é suprimida, prevalece a emoção sobre a razão.
Estriado e sistema dopaminérgico: recompensam a lealdade ao grupo. O ato radical pode ser vivenciado como vitória moral.
Rede da empatia e teoria da mente: quando hipoativada, reduz a capacidade de enxergar o adversário como ser humano, favorecendo desumanização.
Por que isso importa? O extremismo político explora esse circuito: narrativas de “nós vs. eles” ativam o núcleo accumbens (recompensa) quando confirmamos crenças grupais, reforçando radicalização (Amodio & Jost, 2025).
🌍 Evidências científicas

Estudos recentes mostram que:
Ativação exagerada da amígdala ocorre quando extremistas veem símbolos de grupos rivais → o cérebro lê o adversário como ameaça real (Zmigrod, 2020).
Baixa atividade no córtex pré-frontal dorsolateral durante dilemas morais → enfraquece a capacidade de avaliar o custo humano da violência (Falk et al., 2015).
Engajamento do estriado ventral frente a mensagens pró-grupo → sugere que ideologias radicais funcionam como “recompensas sociais” (Swann et al., 2014).
👉 O que isso significa?
Essas evidências revelam que o extremismo não é apenas ideológico: ele é sustentado por um cérebro que prioriza ameaça, recompensa grupal e emoção sobre razão. Ou seja, não se trata apenas de “opinião política”, mas de uma reconfiguração do processamento neural que favorece a polarização.
⚖️ Implicações éticas e sociais

Falar de neurociência da violência política abre dilemas sérios:
Livre-arbítrio vs. vulnerabilidade biológica → até que ponto indivíduos que se radicalizam são responsáveis plenos, se seus cérebros estão reagindo a narrativas que exploram vieses emocionais?
Políticas públicas → programas de desradicalização precisam considerar não só o discurso, mas também técnicas de regulação emocional e treino de empatia.
Neurotecnologia e manipulação → existe o risco de governos ou grupos explorarem esse conhecimento para reforçar propaganda, em vez de promover diálogo.
A grande questão é como usar esse conhecimento para prevenir violência sem desrespeitar direitos individuais.
🛡️ Como não cair na armadilha do extremismo

Treinar pensamento crítico → questionar informações, especialmente as que despertam medo ou raiva imediata. Reformule “eles são o inimigo” para “eles defendem um valor diferente” (Gross & Ochsner, 2014).
Expor-se à diversidade → contato com diferentes perspectivas aumenta a plasticidade da rede de empatia. Foque em valores comuns (ex.: segurança, justiça) para ativar o default mode network (DMN) (van Baar et al., 2021).
Gerenciar emoções → técnicas de regulação emocional (mindfulness, respiração, exercício físico) ajudam a reduzir a reatividade da amígdala. Nomeie o que sente (“raiva, medo”) (Lieberman, 2007).
Cultivar identidades múltiplas → perceber-se como membro de vários grupos (profissional, cultural, familiar) reduz a rigidez do “nós contra eles” (Swann et al., 2014).
🤝 Como lidar com alguém violentamente radicalizado

Evite confronto direto: discussões frontais ativam ainda mais os circuitos de ameaça.
Escuta ativa: reconhecer a emoção da pessoa pode reduzir defensividade.
Foque em valores comuns: pontos de convergência ativam áreas de cooperação no cérebro.
Não isole: isolamento social aumenta vulnerabilidade à radicalização. É mais efetivo reintegrar do que excluir.
✨ Conclusão

A violência política é escrita tanto na história quanto no cérebro. Entender os mecanismos neurais do extremismo não significa absolver, mas sim revelar vulnerabilidades humanas que podem ser exploradas ou transformadas.Se sabemos que o cérebro é plástico, também sabemos que o extremismo não é destino: ele pode ser prevenido e revertido.
A escolha que temos diante de nós é clara: ou permitimos que medo e ódio comandem nossas conexões neurais, ou investimos em empatia, pensamento crítico e políticas que favoreçam diálogo. A neurociência mostra que o futuro da democracia depende não apenas de urnas, mas de sinapses.
📚 Referências / References
LeDoux, J. E. (2015). The emotional brain revisited. Neuroscience & Biobehavioral Reviews, 46(2), 148–158. https://doi.org/10.1016/j.neubiorev.2014.08.010
Amodio, D. M., & Jost, J. T. (2025). Cognitive–affective dynamics of political attitude polarization. Behavioral Sciences, 15(8), 1043. https://www.mdpi.com/2076-328X/15/8/1043
van Baar, J. M., et al. (2021). Intolerance of uncertainty modulates brain-to-brain synchrony. Proceedings of the National Academy of Sciences, 118(20), e2022491118. https://doi.org/10.1073/pnas.2022491118
Cikara, M., et al. (2011). Us versus them: Social identity shapes neural responses to intergroup competition. Psychological Science, 22(6), 773–779. https://doi.org/10.1177/0956797611407213
Falk, E. B., et al. (2015). Neural correlates of dehumanization. Social Cognitive and Affective Neuroscience, 10(8), 1047–1054. https://doi.org/10.1093/scan/nsu146
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Zmigrod, L. (2020). A cognitive neuroscience perspective on ideological extremism. Nature Reviews Psychology, 1(3), 123–135. https://doi.org/10.1038/s44159-020-0012-3
Swann, W. B., et al. (2014). Identity fusion: The interplay of personal and social identities. Psychological Review, 121(4), 504–529. https://doi.org/10.1037/a0037781
Horgan, J., & Braddock, K. (2010). Rehabilitating the terrorists? Challenges in assessing the effectiveness of deradicalization programs. Terrorism and Political Violence, 22(2), 267–291. https://doi.org/10.1080/09546551003597570
Gross, J. J., & Ochsner, K. N. (2014). Cognitive emotion regulation. Current Directions in Psychological Science, 23(2), 143–149. https://doi.org/10.1177/0963721413515247
Lieberman, M. D. (2007). Social cognitive neuroscience: A review of core processes. Annual Review of Psychology, 58, 259–289. https://doi.org/10.1146/annurev.psych.58.110405.085654
Leong, Y. C., et al. (2020). Conservative and liberal attitudes drive polarized neural responses. Proceedings of the National Academy of Sciences, 117(44), 27731–27739. https://doi.org/10.1073/pnas.2008530117
The Conversation. (2023). How neuroscience explains political extremism. https://theconversation.com/how-neuroscience-explains-political-extremism-2023
Harvard Business Review. (2020). How to build empathy during conflict. https://hbr.org/2020/06/how-to-build-empathy-during-conflict
Mindful. (2021). How mindfulness can ease conflict. https://www.mindful.org/how-mindfulness-can-ease-conflict/


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